segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Capítulo 4 - Bom dia


-Bom dia!
Aquilo me soou como um susto, desses quea gente toma no meio da noite quando enxerga um mostro de sete cabeças onde na verdade se encontra a sombra da cadeira velha da sala. Raramente recebo cumprimentos. Meus vizinhos disfarçam quando eu passo, falam ao telefone com ele desligado, fingem ler o folheto que ganharam na rua. Outros simplesmente não me enxergam. Por isso, ver um sorridente homem grisalho entrar no elevador e me dar "bom dia" foi quase como dar de cara com o galã de cinema preferido lhe sorrindo de um jeito maroto. Quem ele era, eu não sabia. Ainda. Dei o meu jeito de descobrir sua identidade. Fiquei cuidando do corredor e quando Dona Josefa, a maior fofoqueira do prédio entrou, fui atrás. Ela, como os outros, não vai com a minha cara, mas sua língua não se contém nem estando perto de desafetos. Ela precisa contar uma fofoca, seja para o mendigo da esquina ou para o presidente da República. Tem horas que eu penso que ela tem um espião em cada apartamento, tal a riqueza de detalhes de seus comentários. Suspirei como quem não quer nada. Quando ensaiei um bocejo para chamar a atenção, a velha coroca começou a colocar em prática o que melhor sabe fazer.
- O vizinho novo já terminou de trazer a mudança. Roberto Velasquez, se separou recentemente. Até que pra quem já passou dos 50 ele está bem conservado. Espero que não pinte o cabelo, pois homem que se separa e quer arrumar mulher nova sempre comete esta gafe de tingir os fios de preto e fazer aquela combinação tenebrosa com pés de galinha. Se bem que ele usa óculos de sol quando está na sacada, quase sempre lendo livros bem grossos. Pés de galinha não devem ter naqueles olhos. Aliás, eles são verdes.
Térreo. A língua de trapo sai para ir ao mercado e eu refaço minha viagem até o oitavo andar. Durante todo o tempo da "viagem" não penso em outra coisa a não ser que começaram a me dar bom dia sem que eu precisasse forçar simpatia. Também pensei bastante nos olhos verdes do vizinho, lendo livros longos atrás de óculos escuros.

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