sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Capítulo 1 - A Estreia


Ainda me dói um pouco escrever estreia e não estréia. Passei uma vida pra aprende esse acento e agora ele não vale mais nada na tal palavra. Enfim, mas não estou aqui para falar de reforma ortográfica, mas de reforma íntima, outro terminho que me dá nos nervos. Mas não vejo outra forma de descrever o que está acontecendo comigo. Não vou revelar meu nome, nestas horas pouco importa se sou uma simples Maria, uma elegante Sofia ou uma errante Jacinta. O que importa é que sou péssima. Cresci ouvindo isso, "tu é péssima". Durante a doce infância isso me incomodava bastante, afinal, não é todo dia que nossas mãezinhas queridas nos vêm com um adjetivo tão ímpar pra cima de uma criança. Com o tempo aprendi a lidar e fui além. Assumi o personagem. Ou melhor, a persona.
Sou péssima, qual a próxima pergunta? Ser péssima me deu um ar seguro, um jeito esnobe e nenhum vizinho batendo na porta para pedir açúcar. Aliás, tem horas que esqueço que tenho vizinhos, já que eles não me cumprimentam e não me convidam sequer pra reunião de condomínio. A péssima nunca concorda mesmo. Tem um doce sabor não ter ninguém te infernizando, ninguém te gritando no meio do supermercado "ei, querida, vai lá em casa pra gente tomar um cafezinho" ou então a casa atrulada de gente no dia do aniversário, todos sorridentes e elogiando o teu natural dom de anfitriã. Sou péssima. ERA péssima. Fiquei velha e descobri que sou só. E só rima com dó, que é o que descobri que todos sentem de mim. Me deu uma dor no peito quando fiz esta descoberta, achei até que ia infartar. Passei algumas noites tendo pesadelos com a caixa da loja me olhando torto, fazendo cara de nojo e também com o porteiro do prédio avacalhando meu mau-humor. Acordei meio zonza, bebi água, tomei remédio mas nada me dava alívio. Eu era insuportável e isso não me fazia mais feliz. Fiquei péssima.

Resolvi que devia me tratar. Não ia ser tarefa fácil, nuca fui bem quista por nenhum médico. Mas todos os livros e filmes de família falam em recomeço, em começar do zero todos os dias. Resolvi tentar. Encontrei uma terapeuta por acaso, no elevador. Dona Mercedes e a Marinalva, empregada do 402, estavam dê-lhe trela sobre as idas ao psiquiatra da Dalila, a bonitona do 302. O tal doutor se chamava Marcondes. Como a Dalila também não era querida pelos moradores, resolvi arriscar. Vai ver ela também foi tratar o fato de ser péssima. Ou então foi resolver os constantes pratos quebrados e gritos que ela troca com o marido.

Minha primeira sessão é amanhã. Estou nervosa, todo mundo fica assim antes de ir ao médico. A pressão sobe e tudo. Deve ser por isso que tem tanta gente ihipertensa por aí. Culpa do tal medo de consultório. Mas ando respirando fundo cada vez que me bate a tristeza. Mas o que me acalma mesmo é saber que não vai ter estetoscópio gelado nas minhas costas. Só duas poltronas confortáveis, talvez um relógio, o tal Marcondes e eu. O cenário perfeito para um crime. Decidi hoje que vou matar a péssima. E o tal Marcondes é quem vai receber pra trazer a faca.

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