sábado, 26 de novembro de 2011

Capítulo 2 - A Sessão


Salas de espera eram todas iguais para mim. Porém, a do Dr. Marcondes me dava arrepior que nem Vincet Price me havia proporcionado até então. Era tudo tão branco, tão arrumado, que me senti suja mesmo ainda sentindo o cheiro do sabonete que usei no banho. Nada chamativo ou exótico. Não gosto que perguntem o nome do meu perfume. Até gosto, na verdade. O problema é que não sei responder, ainda mais agora que me propus a ser amigável. É tentados, mas ainda me deixa confusa.
Finalmente fui chamada para sentar numa poltrona enorme. Não fosse o salto do sapato, meus pés estariam balançando. Como eu imaginava, só suas poltronas, ele, eu e um relógio. Não estou nervosa, apenas não sei por onde começar. Ele me pergunta o que me trouxe até o consultório. Eu gaguejo, tento elaborar uma resposta. Resolvo usar algo que uso há tempos, quase uma segunda natureza paras mim: a frieza.

Fui direta. Larguei a bomba sem rodeios. Sou pessimista, tenho total certeza de que não dei nem nunca vou dar certo na vida. Não me pergunte desde quando, nunca tentei descobrir. Só sei que sou e, até hoje, era este meu modo de viver. Agora me deu a louca e me sinto incomodada com este fato. Deve ser a menopausa, concluo. Bastou que eu citasse o grande marco do fim da vida fértil de uma mulher para ele atrasar os ponteiros da minha memória.
-Me fale sobre a sua infância.

Nem quando perguntaram minha idade eu tive tanto medo de uma indagação. Respiro fundo e respondo. Fui uma criança feliz. Muito feliz, eu diria. Minha mãe costumava dizer que eu tinha brilho nos olhos. Ah, também dizia que eu era metidinha, que gostava de aparecer mais do que todos nas festas de fim de ano. Decorava piadas com facilidade e também trechos de peças e filmes. Imitava-os para o meu Tio Délio e pedia uma opinião sincera. Ele sempre me dava suas considerações anotadas em um papel. Guardei estes escritos até os 15 anos. Eu dizia que queria ser atriz e a família gostava disso. O problema foi quando eu cresci. Não havia futuro embaixo de perucas e decorar falas não era trabalho. Cheguei a integrar um grupo de teatro amador. Minha mãe nunca assistiu a nenhuma peça. Meu pai foi a duas e chorou muito. Disse que eu estava linda. Só não assistiu mais espetáculos meus porque minha mãe proibiu. Não se devia incentivar algo que não iria me levar a lugar algum.
Larguei tudo e fui trabalhar. Garçonete. Adorava o emprefo e conheci muitos amigos. Eu sorria muito nesta época, gargalhava até. Cheguei até a catnar algumas vezes, a pedido dos clientes. "Moon River" era a única canção do meu repertório, mas agradava.

Larguei tudo quando entrei na faculdade. História. Seria professora universitária. Mestrado e doutorado, horas diante dos livros. Era tudo muito interessante, mas eu me incomodava, às vezes. Os estudos atrapalhavam minhas idas ao teatro, ao cinema, um bom drink. Isso me irritava. Acabava perdendo os critérios e atirando para todos os lados. Respondia mal, eu era uma jovem rabugenta. Chorava muito nesta época, quase todas as noites. Queria me formar logo, mas também queria ser feliz. Eu não era. Achava que não era. Todos na família diziam que eu tinha tudo, não pagava aluguel e era refer~encia dentro da universidade, que eu não tinha motivos pra ser má, respondona, péssima filha, seria péssima mãe e péssima profissional. "Ninguém ai te aguentar, minha filha". Na primeira vez, esta frase até doeu. Mas depois eu acostumei e entendia que era assim. Tomei pra mim este papel para o qual havia nascido. A péssima. Não fiz mais amigos, dei aulas sem nunca ter sido querida pelos alunos. Havia respeito, não carinho. Me aposentei jovem e hoje escrevo sobre mitologia para uma revista. Pagam bem, mas não é nenhum prazer. Vivo bem. Minha casa é boa, simples, confortável. Como bem, bebo muitos vinhos. Saio sozinha, mas de uns tempso pra cá tenho evitado. Tratar mal os garçons tem me feito mal. Nunca casei. Mas já amei. Uma vez.
Fechou uma hora. A próxima sessão seria na sexta.

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